terça-feira, 27 de abril de 2010

Homenagem ao dia do livro


Meninos
Ápio Campos

Meninos pedindo comida na porta das casa.

meninos esguios macilentos
filhos da fome
crias do medo
bichinhos escuros
melados de sujo
procriados em catres imundos
em horas escuras
botados no mundo
porque o remédio falhou

meninos pedindo comida
ratos de esgoto
saídos da lama
de dia se escondem
de noite se espalham
correndo de porta em porta
só comem no escuro
ratos de esgoto
que a noite soltou

meninos pedindo comida nas casas burguesas
meninos pisando pés sujos
nos pátios de são caetano
escorando as mãos sujas no espelho
dos azulejos coloridos do hall
meninos apertando o botão da campainha
esperando o milagre da explosão
da ternura e da comida
que não vem
lá dentro há risos e arrotos
e estômagos cheios se sacodem de gozo
e velhos gulosos caminham pro enfarte

e um lindo fogão colorido espreme no ar
um cheiro gostoso de assado e fritura
que ri dos meninos passando-lhes o dedo
no nariz

meninos pedindo comida na porta das casas
a fome fazendo barulho apertando a campainha
chegando em hora incômada
(esses não respeitam temos visitas pro jantar)
meninos batendo na porta das almas
sujando o assoalho encerado
de nossa paz espiritual

meninos ouvindo um não perfumado
cheirando a comida
um não muito limpo
dáua na boca
diga que o que sobrou é pros cachorros
eles que voltem amanhã

meninos que recolhem sua fome num saco plático
irão bater noutra porta
escrevendo nas ruas as linhas sinuosaas
do clamor da miséria
que sobe até Deus.
(Ontem e Hoje. Belém,1982)

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